quinta-feira, 2 de maio de 2019

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Pequena crônica poética – cidade natal

O tempo muda
pessoas,
coisas,
cidades.

Ao atravessar o tempo,
guardamos várias cidades natais.
Podemos até desejar esquecer,
mas elas seguem com a gente.

Quando voltamos,
a cidade diante dos olhos
é outra.
Não sabemos bem,
o que mudou,
às vezes, sabemos.
É assim como um estranhamento.

Há delicados fios,
que nos prendem nas cidades natais,
enquanto existir um,
haverá pelo que retornar.

quinta-feira, 18 de abril de 2019

Van Gogh, pegou nas minhas mãos


Alguns dias atrás fui em uma livraria, mexi aleatoriamente em alguns livros. Acho bom imaginar que são os livros me encontram, como se dissessem: vem aqui eu tenho algo para contar. Sendo assim, foi Van Gogh que pegou nas minhas mãos. O livro traz as cartas destinadas ao seu irmão Théo, passei os olhos nas primeiras linhas e como um desenho Vicent tomou forma em mim.
Sai de mãos dadas com Vicent Van Gogh. Todos os dias temos encontros marcados, não tenho pressa e por isso percorro devagar cada carta. Não são cartas para serem lidas com atropelos, é necessário ir criando paciência, aprender a olhar pelos olhos de Van Gogh (1853-1891).
Como todo encontro, tudo começa pela apresentação. Algumas páginas nos contam os aspectos gerais desse pintor, onde nasceu, quem eram seus pais e irmãos, a amizade com o irmão mais novo Theodore o “Théo”, as paixões amorosas e as desilusões. Conhecemos Van Gogh aos dezesseis anos, cujo primeiro trabalho foi na Casa Groupil (1869), galeria de arte, era um empregado modelo. Quatro anos mais tarde ao encontrar o irmão Théo, o percebe como um jovem de quinze anos e ao mesmo tempo maduro, foi depois dessa visita que iniciaram a troca de correspondência interrupta.
A vida do jovem Van Gogh poderia ter sido tranquila, mas ele se apaixona aos 21 anos por Úrsula, filha da dona da pensão onde morava, que não aceitou o pedido de casamento. Esse acontecimento desencadeou uma profunda mudança no jovem, ele passou a questionar o sentido da vida. A crise afetou seu desempenho profissional e por isso foi despedido.
Uma ideia começou a se formar em sua cabeça, ser pintor. Seria loucura? E as contas? Um dilema ainda hoje tão atual, seguir a vocação ou pagar as contas? O jovem Van Gogh compreendendo as dificuldades de se educar na arte optou, por ser pastor, em diversas cartas podemos ver o olhar religioso de Van Gogh.
E quando não nos adaptamos às escolhas que fazemos? Seja em 1877 ou 2019, essa é outra questão atual, às vezes tentamos com toda a energia fazer dar certo, entretanto, nem sempre o êxito é possível.  Van Gogh tentou de 1877 a 1878, fazer dar certo, mas não se adaptou à Universidade. Resolveu então ser missionário entre os pobres mineiros de Borinage, em sua carta datada de 15 de novembro de 1878, é possível ver o quanto a vida desses operários toca profundamente Van Gogh e ele contou ao seu irmão sobre uma reunião, em que comentou um texto bíblico:
E foi com atenção que me escutaram, quando eu tentei descrever o aspecto desse macedônio sedento pelo consolo do Evangelho e pelo conhecimento do único Deus verdadeiro. E sobre como deveríamos imaginá-lo como sendo um operário com feições de dor, de sofrimento e de fadiga, sem nenhuma aparência de beleza, mas com uma alma imortal ávida de alimento que não perece, especialmente a palavra de Deus. E sobre como Jesus Cristo, é o mestre, que pode fortalecer, consolar e aliviar um operário que tem a vida dura, porque ele próprio é o grande homem de dor, que conhece suas enfermidades, que foi chamado ele próprio de carpinteiro, embora fosse o filho de Deus, que trabalhou trinta anos numa humilde oficina de carpintaria para cumprir a vontade de Deus, e Deus quer que, imitando Cristo, o homem leve uma vida humilde sobre a Terra, não aspirando coisas elevadas, mas dobrando-se à humildade, aprendendo no Evangelho a ser doce e humilde de coração.
 E novamente mesmo com todo empenho, não conseguiu empreender sua missão. Ele estava sem trabalho, sem dinheiro e já não podia voltar para sua casa. Sua subsistência vinha de seu irmão Théo. Nesse ponto, Van Gogh, me dá sua mão, eu me sinto perdida junto com ele. Você pode ter todas as palavras e guias de autoajuda, não há nada que te prepare para um momento de fracasso e de se sentir absolutamente sem direção em sua vida. Você pode imaginar, tudo pelo qual você dedicou energia dar errado?
Se recordam daquele germe de ideia, ser pintor. Na verdade, as cartas de Van Gogh demonstram que esse desejo profundo esteve sempre ali, é uma pena que a edição da L&PM Pocket não seja colorida, em algumas cartas ele enviou esboços que são incríveis[1]. Ele retomou sua vocação e em julho de 1880 escreveu ao seu irmão uma das cartas mais tocantes, na qual relata suas angústias e a dificuldade de reconquistar a confiança de sua família:
E por isto que antes de mais nada, sou levado a crer, seja vantajoso, e mais razoável, que eu vá embora e me mantenha a uma distância conveniente, que eu faça como se não existisse.
O que para os pássaros é a muda, a época em que trocam de plumagem a adversidade ou infortúnio, os tempos difíceis, são para nós, seres humanos. Podemos permanecer neste tempo de muda, também podemos deixa-lo como que renovados, mas de qualquer forma isto não se faz em público, é pouco divertido, e por isto convém eclipsar-se. Pois seja.
Agora, por mais que reconquistar a confiança de toda uma família, talvez não totalmente desprovida de preconceitos e outras qualidades igualmente honoráveis e elegantes, seja de uma dificuldade mais ou menos desesperadora, eu ainda tenho algumas esperanças de que pouco a pouco, lenta e seguramente, a cordial compreensão seja restabelecida com uns e outros.
                Ao analisar suas condições de vida, futuro e estado financeiro concluiu que lhe faltava mais do que tinha. Aos olhos de sua família suas quedas significavam não fazer nada. Ele se propôs ser pintor e estudar, mesmo que longe do espaço formal das universidades e assim explicou ao seu irmão:
Talvez você diga: mas por que você não continuou como gostaríamos que continuasse, pelo caminho da universidade? Não responderei mais do que isso: é muito caro; e ademais este futuro não seria melhor do que o de agora, no caminho em que estou.
Mas no caminho em que estou devo continuar – se eu não fizer nada, se não estudar, se não procurar mais, então estarei perdido. Então, ai de mim.
Eis como eu vejo a coisa: continuar, continuar, isso é que é necessário.
Mas qual é o seu objetivo definitivo?, você me perguntara. Este objetivo torna-se mais definido, desenhar-se-á lenta e seguramente como o croqui que se torna esboço e o esboço que se torna quadro, à medida que se trabalhe mais e seriamente, que se aprofunde mais a ideia, no início vaga, o primeiro pensamento fugidio e passageiros, a menos que o fixemos.
Van Gogh, me dá de novo suas mãos.  Ficamos aqui de mãos dadas.
Como disse, essas cartas são para serem lidas devagar, às vezes, é preciso consultar uma cidade, olhar o nome de um pintor no Glossário de Nomes Próprios, pode dar vontade de pesquisar algumas imagens, pode ser também que você volte na introdução para contextualizar a data de alguma correspondência com o período da vida de Vicent. Dê tempo, exercite a paciência.
Dessa carta em diante o que se seguiu foi um comprometimento absoluto com o aprendizado da pintura. Ele diz: “O desenho é uma luta dura e diária”.  É sobre o desenho essa constatação, mas é válida para qualquer aprendizado.
Tive vontade de ver as respostas de Théo, só o vejo através dos olhos de Vicent. Essa também é a história de dois irmãos ligados profundamente, se abrir por meio da palavra de maneira tão sincera, não é possível em uma relação superficial. Essa relação de amizade nos deixou como legado a obra artística de Van Gogh, assim relembramos que sem apoio e confiança de alguém é impossível seguir adiante.
Ainda caminhamos de mãos dadas Vicent e eu. Ainda há coisas que preciso ouvir.


[1] Nesse site você pode olhar a correspondência entre os irmãos e ainda ver as cores dos desenhos de Van Gogh. Recomendo marcar as cartas e depois consultar no site.
Disponível em: <http://vangoghletters.org/vg/with_sketches.html>. Acesso em: 18 abr. 2019.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Pequena crônica poética – a cidade de dois rios

Essa é uma cidade estranha,
às vezes pergunto
se eu passo pelas ruas
ou as ruas passam por mim?
ou será que passamos uma pela outra?

Sendo uma cidade de atravessar
foi preciso construir o minúsculo espaço
todos os dias, em um trabalho silencioso
aqui foi sobre como sermos lar
um para o outro.

Algumas cidades
desorganizam profundamente,
é como perder
pequenas coisas que te constituem,
porque é impossível carregar o que você era para uma nova cidade.

Tem sido tão longo,
reorganizar uma nova forma.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Quando ficamos sem dias

Você dissimula sua bondade e fé,
diz ser de bem e cumpridor de seus deveres.
Pode tanta bondade se reconhecer nesse espelho?

Esse reflexo é seu também?

Sequestraram seus sentidos?
Por que não consegue ver, ouvir e sentir?
Sequestraram a palavra?
As palavras não significam mais?
Sem palavras, como construir um futuro?

Como quebrar esse espelho?

Isso nunca foi sobre divergências,
Isso sempre foi, sobre revolver a maldade que espreita dentro de nós.

terça-feira, 9 de abril de 2019

Encapsular poesia

Tem dias de ficar assim,
chovida por dentro,
umas águas me brotam.

um tanto salgadas,
outro tanto adocicadas.

quando chovida
encapsulo poesia.
não sei como se deu,
mas se deu quando fui pegando uns instantes,
umas coisas que me zuniam na cabeça,
umas dores,
uns risos,
fui amassando, apertando
até caber na poesia.

Guardo tudo em uns vidrinhos brilhantes,
é bonito de olhar,
vez em quando dou uns de presente.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Isso que nos habita

O que nos habita?
Alma, consciência?
esse infinito mistério.

Mistério cheio de fragilidades.

Tão tênue, isso que nos prende.

Isso que é
Entre matéria, impulsos, reações químicas
Isso que às vezes fica tão pesado,
consegue sentir?
é solitário carregar nosso peso.

Isso que nem sei definir o que é,
Isso
que às vezes é leve e eterno,
aquele instante em que despertos
conseguimos ver de verdade
a beleza de tantas formas de vida.

Não sei explicar isso,
de que bastam segundos
para não mais estar aqui.
Não sei explicar o depois.
Mas quero esperar que seja leve e eterno.

sábado, 9 de março de 2019

O ou a instrumentista


Em frente ao escritório tem 40 janelas perfiladas, correspondem a 20 apartamentos, são aproximadamente 80 vizinhos. Suas vidas me chegam através dos entremeios de janelas e cortinas. Não posso conter aquilo que chega até mim, em alguns casos sei até sem querer em outros até gosto das pequenas rotinas. Escapes de vida que me chegam sem nunca se mostrar totalmente.  Tantas pessoas e insisto em me sentir só.
Essa semana estava olhando pela janela e comecei a ouvir um som de violino. Durante dois dias seguidos, minha vizinha ou vizinho, me presenteia com música. É um som delicado, tenho me esforçado para identificar a janela, em qual das 40 habita o ou a instrumentista? Será que está começando a aprender agora? Quais músicas ouve? Por que toca somente à noite?
Nunca vejo seu rosto  por mais que me pendure na janela. Como posso perder uma única pessoa em meio a 40 janelas?
Sou sua ouvinte secreta, serei a única? É provável que toque em seu quarto, talvez você pense que ninguém pode te ouvir, talvez deseje quem ouça. Tocar deve ser como escrever, um misto paradoxal entre fazer, desejar e mostrar. Talvez mostrar seja para fazer as coisas existirem no outro, mas depois somos soterrados pela vergonha e escondemos porque parece bobo e sem sentido.  Mas tocar é mais sublime, de certo modo deve ter sido a primeira forma de expressão humana tendo nosso como instrumento. Umas palmas, uns assobios, uns pés no chão e vozes já produzem sons incríveis. Quem toca deve ficar um pouco mais perto do sagrado.
Eu não sei nada sobre você, mas de certo modo tenho compartilhado um momento tão privado. Não posso evitar, música é transportada pelo vento. Se eu soubesse tocar poderia responder, então chegaria na janela com meu saxofone, um blues triste ia soar. Aí você ouviria, provavelmente sairia à janela e envergonhados sorriríamos. No dia seguinte nos esbarraríamos na portaria, um silêncio constrangedor se abateria sobre nós até um dos dois dizer – Nossa como você toca bem! Talvez com o seguir dos dias até atravessaríamos a garagem, visitas seriam frequentes.
Cordas e sopro fazem uma boa dupla?
Mas eu não toco, minhas habilidades musicais são muito reduzidas. Me ocorreu que não saber um instrumento me impediu de fazer amizade.  Será que você se moveria por uma caixinha de música?

sexta-feira, 1 de março de 2019

O reflexo

Em que espelho ficou perdida a minha face? Retrato - Cecília Meireles

Virgínia abre os olhos, oscila entre o desejo de dormir algumas horas e a necessidade de levantar. Mas não há tempo, o dia será cheio de reuniões, lentamente se levanta e espreguiça o corpo, lutando contra o sono. Segui para o banheiro, alivia a vontade de fazer xixi, abre a torneira e a água cai por sobre sua pele. Começar o dia sem o banho era impensável para ela, era seu pequeno ritual, lavar os cabelos, sentir o perfume do sabonete, o barulho da água, aquele breve momento feito de puro instante.

Ao sair do banheiro envolta no robe, já devidamente acordada, exalando um cheiro suave dos produtos que passaram pela sua pele. Caminha até a cozinha para preparar o café. Enquanto a água ferve, checa alguns e-mails, o café da manhã é a largada para o dia, costuma alternar as preparações dos alimentos com o adiantamento de pequenas tarefas. Quando tudo fica pronto se senta na mesa para comer, Virgínia confere a agenda do dia, seriam três reuniões importantes para definir as estratégias de defesa.

A última etapa da manhã consiste em escolher a roupa, em anos de profissão havia aprendido o impacto da vestimenta no fechamento de contratos. Desliza suas mãos de unhas bem cuidadas por entre suas roupas. Escolhe uma saia de corte justo ao corpo, uma blusinha e um blazer.

Ela vai para frente do espelho e se posiciona como de costume para se vestir, gostava de ver a roupa em seu corpo. Vestir de fato uma roupa de fato exige aprender a atitude certa, era através do espelho que as desenvolvia. Então quando olha para o espelho para ver como estava, simplesmente não se enxerga. Virgínia sente o corpo desfalecer, um giro de torpor, será que havia ficado cega? Ela sai para a sala onde havia luz suficiente, mas podia ver suas mãos, a casa, seus quadros tudo, enxergava também se posicionasse seus olhos os contornos de seu rosto.

Virgínia sente uma onda invadindo seu corpo, tenta respirar profundamente, havia lido que respirar assim acalmava em momentos de ansiedade. Ela vai ao banheiro e se posiciona em frente ao espelho, fecha os olhos desejando firmemente que tudo tenha acabado. Ao abrir novamente não consegue ver seu reflexo, havia sumido, mas como se seu corpo ainda estava ali?

E se tentasse tirar uma selfie? Sim aí poderia se ver, corre para o celular, configura e ao fazer a foto, vira a tela e novamente cadê seu rosto?

Apalpa seu corpo, estava tudo lá, olha a casa e consegue enxergar perfeitamente. Estaria em surto? Mas a agenda, os compromissos do dia, tudo demonstrando sua sanidade mental. Como poderia ter perdido seu reflexo?

Ainda uma vez toca seu corpo para confirmar sua existência. Decide ir para o trabalho, fez as três reuniões, quem a via nem imaginava a perturbação em que se encontrava. Durante algumas vezes ao ir sozinha no banheiro, e se olhar no espelho, Virgínia chorava por ter perdido seu reflexo.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Tá lá o corpo do garoto no chão.
Eles viram,
ou
nós vimos?

No meio da roda,
um homem corpulento sobre
um garoto franzino,
não tem mais ar.

algumas vozes advertiram,
outros filmaram,
outros se calaram.
eu estava lá?

Foi o Pedro Henrique,
tinha dezenove anos,
não é um número.

nós em volta,
erámos muitos contra um,
erámos muitos para mudar uma história.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Nada além do desejo

Hoje não sou nada,
nada além de um corpo.
Isso que me percorre
da ponta de meus pés
ao alto de minha cabeça

Hoje não sou nada,
apenas esse corpo.

um corpo em pelo.
estirado nos desejos.

Hoje seria,
quase bruto
urgente.

Entre teso
Espasmos líquidos
Hoje seria só desejo.
Esse lugar sem nome.

Entre a quase dor,
do meu corpo se abrindo,
à contração do gozo.
Quase breve
Quase eterno.

Uma coletânea

O Desacanhamento poético virou um pequeno ebook... tentei organizar a produção ao longo desses dez anos! É algo pequeno, mas uma forma de ...