Em que espelho ficou perdida a minha face? Retrato - Cecília Meireles
Virgínia abre os olhos, oscila entre o desejo de dormir algumas horas e a necessidade de levantar. Mas não há tempo, o dia será cheio de reuniões, lentamente se levanta e espreguiça o corpo, lutando contra o sono. Segui para o banheiro, alivia a vontade de fazer xixi, abre a torneira e a água cai por sobre sua pele. Começar o dia sem o banho era impensável para ela, era seu pequeno ritual, lavar os cabelos, sentir o perfume do sabonete, o barulho da água, aquele breve momento feito de puro instante.
Ao sair do banheiro envolta no robe, já devidamente acordada, exalando um cheiro suave dos produtos que passaram pela sua pele. Caminha até a cozinha para preparar o café. Enquanto a água ferve, checa alguns e-mails, o café da manhã é a largada para o dia, costuma alternar as preparações dos alimentos com o adiantamento de pequenas tarefas. Quando tudo fica pronto se senta na mesa para comer, Virgínia confere a agenda do dia, seriam três reuniões importantes para definir as estratégias de defesa.
A última etapa da manhã consiste em escolher a roupa, em anos de profissão havia aprendido o impacto da vestimenta no fechamento de contratos. Desliza suas mãos de unhas bem cuidadas por entre suas roupas. Escolhe uma saia de corte justo ao corpo, uma blusinha e um blazer.
Ela vai para frente do espelho e se posiciona como de costume para se vestir, gostava de ver a roupa em seu corpo. Vestir de fato uma roupa de fato exige aprender a atitude certa, era através do espelho que as desenvolvia. Então quando olha para o espelho para ver como estava, simplesmente não se enxerga. Virgínia sente o corpo desfalecer, um giro de torpor, será que havia ficado cega? Ela sai para a sala onde havia luz suficiente, mas podia ver suas mãos, a casa, seus quadros tudo, enxergava também se posicionasse seus olhos os contornos de seu rosto.
Virgínia sente uma onda invadindo seu corpo, tenta respirar profundamente, havia lido que respirar assim acalmava em momentos de ansiedade. Ela vai ao banheiro e se posiciona em frente ao espelho, fecha os olhos desejando firmemente que tudo tenha acabado. Ao abrir novamente não consegue ver seu reflexo, havia sumido, mas como se seu corpo ainda estava ali?
E se tentasse tirar uma selfie? Sim aí poderia se ver, corre para o celular, configura e ao fazer a foto, vira a tela e novamente cadê seu rosto?
Apalpa seu corpo, estava tudo lá, olha a casa e consegue enxergar perfeitamente. Estaria em surto? Mas a agenda, os compromissos do dia, tudo demonstrando sua sanidade mental. Como poderia ter perdido seu reflexo?
Ainda uma vez toca seu corpo para confirmar sua existência. Decide ir para o trabalho, fez as três reuniões, quem a via nem imaginava a perturbação em que se encontrava. Durante algumas vezes ao ir sozinha no banheiro, e se olhar no espelho, Virgínia chorava por ter perdido seu reflexo.
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