Tem gente que não gosta de andar de ônibus. É coisa que exige um certo tipo de espírito que se joga no desconhecido. Por alguns instantes, horas ou até mesmo dias há tantos trajetos, um espaço de tempo no qual nada se controla. Qualquer pessoa pode se sentar ao seu lado e compartilhar o apoio de braço.
Nesses momentos em que compartilhar com o outro espaços urbanos se coloca como um grande desafio, uma simples viagem de ônibus ensina muito a diversidade e o respeito. Há sempre o que aprender se estivermos com o olhar atento.
Andar de ônibus é espreitar o encontro. Nem todo encontro é feliz. O breve momento do compartilhar as poltronas lado a lado, a linguagem corporal as falas não ditas, o olhar, o ignorar, as frases sobre o tempo, tudo são falas.
Algum tempo atrás um andarilho se sentou ao meu lado. Não trocamos uma palavra, tantas coisas se passaram. Dois mundos se tocando nos estreitos limites das poltronas. Primeiro foi o medo que percorreu meu corpo por todos os poros, os pelos do braço, arrepio, um jato que vai da cabeça aos pés. Aos poucos esse jato ia diminuindo sua força, mas primeiro eu tive que dar vazão nesse sentimento.
Fui enxergando meu companheiro de viagem, um homem alto com um saco preto, estava escuro e pouco pude ver de suas feições. Ele também tinha seus códigos e desviava o olhar para a paisagem da janela. Seguimos compartilhando o silêncio.
Na nossa frente havia um homem que nos encarava, sentia suas pupilas se movendo de um lado ao outro. De alguma forma eu sentia suas interrogações, como se perguntasse por que eu estava sentada ali? Era tão insistente seu olhar.
Fiquei pensando qual seria a história do meu companheiro de viagem? Por onde andou? Para onde seguiria? Meu ponto chegou. Tempo de descer, em casa permaneci pensando no meu companheiro de viagem, duas histórias que se tocaram por breves instantes.
Outra fila, nova viagem. Atrás de mim uma jovem. Não lembro ao certo o motivo de começarmos a conversar o certo foi que sentamos juntas. Foi em uma semana difícil que se deu nosso encontro, semana de perdas e que nenhuma palavra pode expressar a brutalidade das mortes de Anderson e Marielle. Duas estranhas que compartilhavam do mesmo espanto.
No meio da viagem entra um pastor suas falas ecoam, alguns prestam atenção, outros desviam seu olhar, há tantas formas de se ausentar. Ao meu lado minha companheira para nossa conversa e direciona seu olhar para o pastor e se põe a ouvir. Confesso que já tinha visto as mesmas falas mas a forma que a jovem olhou e ouviu as falas foi tão respeitosa, recolhi-me no meu silêncio.
Em um dado momento olhei para minha companheira, as lágrimas que corriam na sua face. Meu desconcerto e só pude perguntar: precisa de alguma coisa? Não, não foi a resposta. Adiante o pastor perguntou se podia dar um abraço em minha companheira de viagem, vi um abraço entre dois estranhos. Algumas mudanças ocorreriam na vida de minha companheira de viagem, acho que era Natália seu nome (ou seria Gabriela), ela se senta e me olha com aqueles olhos sensíveis e me pergunta: você acredita nisso?
Soube pouco dessa pergunta tão difícil. Mas respondo com todo meu coração: às vezes as respostas vem de lugares inesperados.
Provavelmente não encontrei novamente meus companheiros de viagem. Mas ambos permanecerão em minhas lembranças. Novas viagens virão.
sexta-feira, 6 de abril de 2018
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