quarta-feira, 14 de março de 2018

Sobre cabelos

Sabe coisas que se multiplicam sem você perceber? Ocorreu comigo e sei acontece com todo mundo, um verdadeiro clichê na vida de todo ser humano. Mas como todo clichê sempre achamos que saberemos o que fazer, bem até acontecer com você. Nesse momento vemos que nada vale experiência acumulada pela humanidade, apesar das muitas fórmulas parece que nenhuma lhe serve.

Ocorreu que esses dias me enxerguei no espelho, quando na maioria das vezes eu só me olho. Então percebi o tempo inscrevendo suas marcas em mim, umas rugas nascendo timidamente, algumas manchas. Até que chegando bem perto do espelho meus cabelos refletiram uma cor diferente, abri uma mecha: estava toda branca, não me lembro o momento em que aumentaram tanto. Estavam tão evidentes, diria que esses fios estavam até felizes com a possibilidade de um dia serem dominantes. Imagine tenho que começar a me despedir dessa cor castanha que me vestiu durante toda a minha vida. Houve fases em que tive umas faixas naturais mais claras, o sol refletia bonito nelas. Nunca mudei minha cor no máximo algumas luzes bem discretas, talvez por uma certa preguiça, mas mais por raiva das raízes, aqueles centímetros de cor diferente me deixariam em um estado de agonia, só de pensar eu desistia de pintar. Se fosse mais animada gostaria de ser ruiva por um tempo.

Os primeiros sinais acho que são vistos primeiro pelos outros, pode ser também porque perceber a passagem do tempo em si mesmo de fato não é uma experiência indolor. Enquanto enxergava meu reflexo no espelho me lembrei de algumas situações interessantes. Há tempos atrás estava no salão arrumando essas mesmas madeixas quando vi uma dessas jornalistas que tinha seu cabelo natural e comentei o quanto achava bonito manter seus nascentes fios brancos e para meu assombro o cabeleireiro me disse: não sei como ela tem coragem de aparecer assim (nunca me esqueci dessa frase), fiquei tão pasma que não consegui responder. E outro recente episódio com essa categoria profissional me sugeriu sutilmente: vamos marcar um horário para por uma cor nesse cabelo? Em uma conversa com uma amiga quando falei de meus cabelos brancos ela perguntou, mas e agora o que você vai fazer?

O fato é não sei o que vou fazer simplesmente porque por mais que se tente ocultar a passagem do tempo, com todos os procedimentos estéticos, essa é uma força bruta e indomável. Mas gostaria que minhas mechas brancas, rebeldes e teimosas não fossem uma questão e muito menos fosse visto como desleixo. Há muitas razões que nos levam a achar as madeixas brancas do Richard Gere bonitas não é mesmo?

Por enquanto pretendo deixar o tempo ir me pintando. Enquanto me enxergava recordei um poema bonito que fala sobre os cabelos brancos, chama-se O banho de Xampu de Elizabeth Bishop que o fez enquanto lavava os cabelos de companheira Lota de Macedo Soares e diz:
“No teu cabelo negro brilham estrelas
cadentes, arredias.
Para onde irão elas
tão cedo, resolutas?
- Vem, deixa eu lavá-lo, aqui nesta bacia
Amassada e brilhante como a lua.”

Se tenho estrelas cadentes por que desejaria apagar?

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